domingo, 27 de fevereiro de 2011

Entrada proibida - VEJA

O governo descobre que José Carlos Bumlai, dono de autorização especial para transitar no Planalto, usa o nome do ex-presidente Lula para fazer negócios


LOBISTA

Bumlai intermediava interesses públicos e privados e tinha "passe livre" no palácio

RODRIGO RANGEL E DANIEL PEREIRA

O senhor da foto se chama José Carlos Bumlai. É um dos maiores pecuaristas do país, amigo do peito do ex-presidente Lula e especialista na arte de fazer dinheiro — inclusive em empreendimentos custeados com recursos públicos. Até o ano passado, ele tinha trânsito livre no Palácio do Planalto e gozava de um privilégio sonegado à maioria dos ministros: acesso irrestrito ao gabinete presidencial. Essa aproximação excepcional com o poder credenciou o pecuarista a realizar algumas missões oficiais importantes. Ele foi encarregado, por exemplo, de montar um consórcio de empresas para disputar o leilão de construção da hidrelétrica de Belo Monte, uma obra prioritária do governo federal, orçada em 25 bilhões de reais. Bumlai não só formou o consórcio — integrado pela Chesf e pelas empreiteiras Queiroz Galvâo, Gaia e Contem, estas duas últimas ligadas ao Grupo Bertin, um gigante do setor de carnes — como venceu o leilão para construir aquela que será a terceira maior hidrelétrica do mundo. O homem das missões impossíveis, porém, se transformou num problema constrangedor.

O pecuarista Bumlai é uma pessoa mística. Gosta de dizer que é dono de 99 999 cabeças de gado, marca seu rebanho com o número 9 e seu número de celular tem sete algarismos 9. Ele gosta de contar a amigos que, certa vez, durante um sonho, uma voz lhe disse para se aproximar do então candidato Lula. Na campanha de 2002, por meio do ex-governador Zeca do PT, Bumlai conheceu o futuro presidente e cedeu uma de suas fazendas para a gravação do programa eleitoral. São amigos desde então. Seus filhos também se tornaram amigos dos filhos de Lula. Amizade daquelas que dispensam formalidades, como avisar antes de uma visita, mesmo se a visita for ao local de trabalho. Em 2008, após saber que o serviço de segurança impusera dificuldades à entrada do pecuarista no Planalto, o presidente ordenou que fosse fixado um cartaz com a foto de Bumlai na recepção do palácio para que o constrangimento não se repetisse. O pecuarista, dizia o cartaz com timbre do Gabinete de Segurança Institucional, estava autorizado a entrar "em qualquer tempo e qualquer circunstância".

Aos poucos, o homem que era conhecido apenas por um restrito grupo de empresários e políticos foi se transformando em uma celebridade do mundo dos negócios em Brasília, um lobista cobiçado. A fama de "amigo do presidente" se espalhou de tal maneira que o pecuarista transformou em escritório um quarto de hotel a 2 quilômetros do Palácio do Planalto. Por lá, até recentemente, disputavam um lugar em sua agenda outros lobistas, além de empresários e políticos interessados em favores, negócios, cargos ou em abrir alguma porta no governo. Bumlai também foi aos poucos expandindo os próprios negócios. Hoje, além de criar gado, ele atua no setor de lanchonetes, biodiesel e produção de energia. Em abril do ano passado, as principais empreiteiras do país desistiram de participar do leilão da usina de Belo Monte às vésperas do pregão, por considerar o projeto inviável do ponto de vista econômico. Bumlai foi chamado paraBrasil
Dilma foi informada de que o lobisia encarregado de montar o consórcio vencedor para a usina de Belo Monte estava intermediando contratos usando o nome do governo cumprir a maior, e talvez sua última, missão oficial.

Diante da possibilidade de não haver interessados em participar da construção da hidrelétrica, o então presidente recorreu ao receituário adotado para esse tipo de situação de emergência: financiamento público, presença de uma estatal e pedido de socorro a um empresário amigo. Bumlai abraçou a causa. Em questão de dias, levou o Grupo Bertin, um velho parceiro de seus negócios privados, a se juntar a outros interessados e formar o consórcio Norte Energia, que assumiu a empreitada bilionária. No entanto, o que era para ser uma missão de interesse exclusivamente público começou a derivar para o lado oposto. O governo descobriu que o pecuarista estava usando a influência e o acesso consentido ao palácio para fazer negócios privados. O Planalto foi informado de que Bumlai, por conta própria, estaria intermediando a compra de turbinas para a usina de Belo Monte com um grupo de chineses. A orientação do governo era exatamente contrária: em vez de importar peças, elas deveriam ser produzidas no Brasil, para criar empregos aqui.

O acerto com os chineses não foi consumado por interferência direta da presidente Dilma. "Em diversas ocasiões, Bumlai trabalhou em nome do 'Barba'", diz um ministro, referindo-se a Lula. "Mas também usou o nome do 'Barba' sem que o 'Barba' tivesse autorizado", acrescentou. Bumlai não desfruta mais livre trânsito no Palácio do Planalto. A participação do Bertin no consórcio de Belo Monte também acabou. Há duas semanas, o grupo anunciou a saída do empreendimento. Motivo: o BNDES se recusou a aceitar as garantias oferecidas. Até pouco tempo atrás, o BNDES estava longe de ser um entrave para os planos de Bumlai. Alguns dos maiores negócios dos quais participou tiveram financiamento do banco. É o caso da Usina São Fernando, em Mato Grosso do Sul. Em 2008, o BNDES aprovou um financiamento de cerca de 300 milhões de reais para a usina. No papel, o empreendimento tem como proprietários os filhos de José Carlos Bumlai e o Grupo Bertin. A sociedade Bertin/Bumlai também é proprietária de um jato Citation, já utilizado algumas vezes pelos filhos do ex-presidente Lula, e de um apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que recebeu o ex-presidente e a família no Carnaval de 2009. O Grupo Bertin informou que o jato é usado apenas para transporte de executivos da empresa e que as ligações com o pecuarista se limitam ao terreno da amizade. Diretor de engenharia da Eletro-bras e braço direito da presidente Dilma no setor elétrico, Valter Cardeal recebeu uma vez Bumlai em audiência. O pecuarista foi claro: estava ali como representante do Grupo Bertin.

Os relatos sobre a ação do lobista se estendem a vários órgãos de governo. As grandes empreiteiras, por exemplo, fizeram chegar ao Planalto queixas contra a atuação de Bumlai na Petro-bras. Uma das mais recorrentes trata de supostos privilégios que a construtora UTC estaria recebendo da estatal, por causa do lobista. A Petrobras tem atualmente sete contratos em andamento com a UTC Engenharia, no valor total de aproximadamente 1 bilhão de reais. A UTC, por sinal, foi uma das maiores doadoras da campanha do PT nas eleições passadas. A empresa garante que não mantém nem nunca manteve nenhuma relação com Bumlai. Outro caso que revela a maneira como o lobista se utiliza da proximidade do poder para garimpar dividendos é a venda de uma fazenda da família dele ao Incra. O negócio foi fechado em 2005. Uma investigação do Ministério Público Federal apontou que, com base em laudo contaminado por múltiplas fraudes, o Incra se comprometeu a pagar à família de Bumlai 7,6 milhões de reais a mais do que o valor real da propriedade.

A fazenda São Gabriel, que fica em Corumbá (MS), foi avaliada em 20,9 milhões de reais, enquanto a perícia concluiu que o valor não poderia ser superior a 13,3 milhões. A propriedade foi transformada em assentamento de trabalhadores sem terra. Apesar disso, os assentados foram os primeiros a denunciar as fraudes, porque nem a "água em abundância" que o Incra apontara para justificar a majoração do valor da fazenda existia. "O preço de compra foi tão desproporcional que, mesmo com a perícia, acho que não será possível corrigir todos os vícios do processo", afirma o procurador Carlos Humberto Prola Júnior. A ação judicial na qual o MP questiona a legalidade do negócio faz menção à amizade de Bumlai com Lula. No acordo, havia até quitação

O ex-presidente Lula e seus filhos já usaram o apartamento e o jato do lobista antecipada de títulos da dívida agrária, em flagrante desrespeito à lei. A Justiça mandou suspender os pagamentos e pode obrigar o pecuarista a devolver o que o Incra pagou a mais.

O Gabinete de Segurança Institucional se recusou a comentar as razões que justificaram a concessão do "passe livre" ao lobista no governo passado. A irritação com as andanças de José Carlos Bumlai foi comunicada aos principais ministros no fim de janeiro. Entre eles, Gilberto Carvalho, atual secretá-
rio-geral da Presidência da República. Petista histórico, ele foi chefe de gabinete de Lula. Hoje, funciona como os olhos e os ouvidos do ex-presidente na administração Dilma. Carvalho e os demais integrantes do primeiro escalão foram orientados a acabar com os privilégios concedidos ao pecuarista. Bumlai não deixará de ser recebido em palácios, ministérios ou estatais. Mas terá de cumprir as mesmas etapas exigidas do empresariado comum, como a apresentação de um pedido formal de audiência, acompanhado de uma pauta específica. O governo também deixou claro que ele está proibido de intermediar negócios em nome do Planalto. Qualquer negócio. Procurado, o lobista comprometeu-se, em um primeiro momento, a falar com VEJA. Depois, desapareceu.

Um comentário:

  1. eh... conheço um pouco dos negocios do Bertin, isto ainda vai espirar muita m.. pelo ventilador..

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